quinta-feira, 5 de março de 2015

Mae Alice – Uma voz de terreiro no Cariri


A estudante do curso de Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri – URCA, Alice Freitas, Mãe Alice como é conhecida é umas das vozes dos terreiros de candomblé da região do Cariri. Nascida dentro dos terreiros, participar das lutas contra intolerância religiosa na região do Cariri e diz que já foi vítima de preconceitos por ser de religião de matriz africana.     

Alexandre Lucas - Quem é Mãe Alice Freitas?

Mãe Alice: Uma jovem de vinte e poucos anos,que estuda ,trabalha, porém, possui algumas responsabilidades a mais da maioria das pessoas da sua idade, que é cuidar da vida espiritual das pessoas que escolheram ficar ao seu lado dentro da religião,tentando proporcionar o maior bem estar possível em vários sentidos da vida das mesmas.

Alexandre Lucas - Como se deu seu contato com a religião de matriz africana?

Mãe Alice:  Minha Mãe (Mãe Célia),antes do meu nascimento,freqüentava um terreiro em São Bernardo do Campo – SP,e conheceu meu Pai lá,ambos posteriormente se tornaram da religião,sendo que meu Pai se iniciou antes de minha Mãe,e minha Mãe fez sua iniciação no Candomblé grávida de mim,aos 6 meses de gestação,então nasci nessa realidade já,sendo que por alguns momentos da minha vida não quis segui-la,porém o destino tratou de me trazer de volta no decorrer da minha trajetória,mas me lembro quando criança,em São Bernardo,que ia com minha Mãe nos candomblés,tanto na casa da zeladora da gente,como em outros terreiros,e quando me mudei para o Juazeiro não foi diferente,mesmo adolescente,acompanhava minha Mãe nos terreiros de amigos dela aqui na região.

Alexandre Lucas - É necessário existir uma luta em defesa da tolerância religiosa no Brasil?

Mãe Alice:  Com certeza, até porque não se trata de ninguém tolerar ninguém, é uma questão de mútuo respeito, onde nossa constituição defende a laicidade do país

Alexandre Lucas - Você já sofreu algum preconceito por ser do candomblé?

Mãe Alice: Durante muito tempo, principalmente quando adolescente, tive alguns problemas com minha religião, chegando até a não declarar e até mesmo renegá-la por medo de rejeição com colegas de escola, pois vi uma outra colega, naquele tempo, sobrinha somente de uma pessoa da religião,sendo excluída pelas outras porque souberam do fato,isso me marcou muito.Quando assumi para tod@s qual era minha religião,já por volta dos 19 anos,tive problemas com o afastamento de pessoas por conta disso,mas também tive aproximação de outras por curiosidade ou por entender e respeitar minha escolha,as perdas foram muito dolorosas,mas depois a gente entende que quem te ama,te respeita como ser humano,independente de credo.

Alexandre Lucas - Existem terreiros de candomblé na região na região do Cariri?

Mãe Alice:  Sim! Temos terreiros de candomblé principalmente no Juazeiro do Norte, mas há também na cidade de Missão Velha, nossa vizinha!Já existem mapeamentos sobre esses terreiros existentes na região, alguns já deixaram de existir, mas há um de pelo menos 25 anos de existência; estamos aqui já tem muito tempo, mas agora é que estão nos descobrindo.

Alexandre Lucas - No Crato existem muitos terreiros de Umbanda. Qual a diferença entre a Umbanda e o Candomblé?

Mãe Alice: A Umbanda é uma religião genuinamente brasileira, e tem sua fundamentação documentada em 1908,no Rio de janeiro a partir de um caboclo denominado “Sete Encruzilhadas” e tem como característica principal a mistura de vários traços de outras religiões,como a Kardecista,a Indígena,o Católica e a Africana,ela trabalha principalmente com o culto a caboclos,pretos velhos,e as chamadas Pombogiras, espíritos desencarnados que vem a este plano através da incorporação para ajudar as pessoas necessitadas de algum auxílio espiritual.

Já o Candomblé é uma religião de culto a divindades vindas das África,podendo ser denominadas de Orixás, Voduns ou Inkices, dependendo de qual parte do País tenha vindo o seu povo, veio com os escravos e está diretamente ligado com as energias da natureza,como o ar,a água,a terra,o fogo,essas divindades vêm à terra para dançar com os seus escolhidos através da incorporação e do chamado dos tambores ritualísticos ,os “atabaques”.

Alexandre Lucas - Muitas das manifestações da cultura popular foram originadas dentro dos Terreiros de Candomblé. Você consegue percebeu isso nas manifestações culturais da tradição no Cariri?

Mãe Alice: Sim, principalmente no que se trata aos sons, os tambores são muito particulares com relação a musicalidade ancestral, africana.


Alexandre Lucas - Você também dança. Fale desse trabalho?

Mãe Alice:  Comecei a ensinar a dança dos Orixás para os adeptos, como parte de um terreiro, nada além disso. Daí conheci o Linconly (Sacerdote de Candomblé que hoje reside em Fortaleza) que na época, acho que 2007, criou um grupo de dança denominado Afoxé Oba Orum no Crato, comecei a dançar junto com eles, fizemos muitas apresentações, indo até pra Fortaleza, até que as correrias da vida me fizeram me afastar, mas sempre pensando em como continuar a fazer algo que eu tanto gostava, até criar junto com minha amiga Yáskara, em 2013, o Olu Odô, que me faz sonhar de novo com a arte de dançar. Não sou profissional, mas tenho um imenso carinho pela dança, e com certeza há muito amor empregado nesse sentido.

Alexandre Lucas - Como estão os trabalhos do grupo Olu Odo?

Mãe Alice:  Por enquanto estamos parados no momento, procurando fazer articulações para dar continuidade ao projeto que transcende a parte da dança dos Orixás, é algo muito maior.

Alexandre Lucas - Quais os seus próximos trabalhos? 

Mãe Alice:  Nós pretendemos expandir o grupo, com oficinas complementares, mas não podemos falar muita coisa por enquanto, pois ainda estamos na parte do projeto, as ideias são muitas, mas sentimos dificuldade no apoio para dar segmento, ainda assim, estamos na luta. Espero que em breve possamos voltar para dar continuidade a esse e outros muitos projetos que fervilham em nossas cabeças.

Mãe e filha - duas mulheres de terreiro