quinta-feira, 29 de março de 2012

Guto Bitu – Comicamente seco e poético





Se o cearense tem fama de humorista, Luiz Augusto Bitu não fica de fora dessa afirmação. Uma poesia nas estirpes marginal e bem humorada é uma das características desse poeta. Guto Bitu, esculpi, modela, desenha, pinta e escreve e diz que sua obra é “cercada do comportamento cearense, se divertir é básico pra mim, então isso se reflete no que eu faço. Já o urbanismo está em mim como as seqüelas de uma tuberculose, não posso retirar esse universo depois de ter passado tanto tempo inserido nessa fria realidade”.






Alexandre Lucas - Quem é Guto Bitu?

Guto Bitu - Luiz Augusto Bitu
É um tabuleiro sem peça
É um cheque mate as avessa
Na faculdade mental
É o cão soprando cal
Nas vistas de quem é cego
É o prego que entorta
Quando entra na parede
É um balanço de rede
É um rangido de porta
É uma folha que corta
A água que mata a sede
Luiz Augusto Bitu 10/11/09

Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Guto Bitu -Tento sobreviver de arte desde adolescente, mas faço arte e sou artista desde criança. Tive meus primeiros contatos reais com mundo profissional na arte depois da maior idade e após isso foi só encarar a coisa como minha própria vida e não uma mera profissão. Não gosto da palavra trabalho me cheira a algo maquinado, um esforço em vão para pessoas que não o merecem. Arte não é isso.

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?

Guto Bitu - Minha arte tem como maior influencia eu mesmo, já pensei muito sobre isso, sei que tem muita gente, cada um com a sua informação, para somar na minha arte, mas quem equilibra estas informações sou eu, aí é a diferença do verdadeiro artista (pessoa que leva a arte com profundidade) e aqueles que só copiam o que lhes inspira.

Alexandre Lucas – Fale da sua trajetória:

Guto Bitu - Minha trajetória é algo que ainda começa, apesar de estar inserido no mundo da arte desde criança, mas para mim está apenas se iniciando e como todo início tem pouca coisa pra falar e muito mais a se observar. É por isso que insisto sempre em algo tão rebuscado para me expressar.

Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?

Guto Bitu - Tenho medo de falar sobre política, pois não a vivemos na real e sim a politicagem, então nesse assunto estou fora, isso me parece mais com time de futebol. Sou um crítico social e comportamental esses universo só me serve como matéria prima e não como medida.
Não gosto nem de botar arte perto de política que é para não sujar a arte.

Alexandre Lucas - Você é um artista com forte preocupação ambiental?

Guto Bitu - Sempre fui e sempre serei.

Alexandre Lucas - Quais os trabalhos que você já fez neste sentido?

Guto Bitu - Tudo. Sempre tenho como preocupação a natureza que estou inserida.

Alexandre Lucas - Como surgiu a poesia na sua vida?

Guto Bitu - Como um desafio, de repente, embolada, martelando, galopando a beira mar. Via a poesia como iluminação, como dom e eu que era um reles mal aluno, não teria essa iluminação divina. Até o dia que me disseram: duvido que tu faças, fiz e tirei o primeiro e o terceiro lugar com as minhas respectivas primeira e segunda poesias escritas, com esse incentivo nunca mais parei, tenho necessidade de escrever, detesto ler, sei que é meio egoísta, contudo poesia é minha terapia e se tenho público é por que eles tem identificação com minhas inquietações.


Alexandre Lucas - Qual a importância de você ser membro da Academia dos Cordelistas do Crato?

Guto Bitu - A Academia pra mim é algo nostálgico, me faz lembrar mestre Elói, meu primeiro grande incentivador na poesia. Tento permanecer lá, apesar de minha vida irregular e cigana, com a missão, que a maioria lá abraçou: prosseguir com sonho de seu Elói e não deixar a nossa querida literatura de cordel morrer.

Alexandre Lucas - O humor e a urbanidade é uma das características do seu trabalho?

Guto Bitu - Acho que refletimos nossas realidades. Apesar de achar que no trabalho não exista humor, nem quando se é palhaço. Vejo minha obra cercada do comportamento cearense, se divertir é básico pra mim, então isso se reflete no que eu faço. Já o urbanismo está em mim como as seqüelas de uma tuberculose, não posso retirar esse universo depois de ter passado tanto tempo inserido nessa fria realidade.

Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?

Guto Bitu - Essa só vou poder responder se você substituir essa palavra trabalho, creio eu que queira dizer obra e isso só vou poder responder 30 anos depois de morrer.

Alexandre Lucas – Quais os seus próximos trabalhos?

Guto Bitu - Nenhum se tudo der certo, sombra e água fresca. Trabalho é pra escravo eu já me alforriei.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Mazé Sales - Uma palavra viva do Caldeirão




Uma escritora que não se limita. Mazé tem contribuido para o resgate da história regional atraves da literatura. Fiha de remanescente do Caldeirão e autora do livro Auto do Caldeirão - dos calheiros da santa cruz do deserto e do Beato José Lourenço ela afirma que: “Tudo o que minha mãe falava sobre o Caldeirão está ali, contado em forma de teatro. Ela contava que havia abundância de tudo, muita fartura. Tudo era de todos.



Alexandre Lucas – Quem é Mazé Sales?



Mazé Sales - Uma menina da roça que se tornou professora na cidade. Encantou-se com o teatro do Grupo Construção 10 ( anos 70) e gostava de ler. Tomava livros emprestado e os devolvia antes do prazo para ter direito a outros empréstimos. Meus colegas de escola colaboravam comigo trazendo-me cópias de poemas que eu decorava e declamava em algumas ocasiões. Escrevia poemas para os namorados das minhas colegas, a pedido destas. Para isto eu precisava saber como eram eles. Gostava também de escrever diários. Sou também atriz. Passei por alguns grupos de teatro amador como o William Shakespeare, do extinto GMAXO , o ANTA e atualmente estou no LIVREMENTE. Faço Donana na peça Dentro da Noite Escura de Emanuel Nogueira e direção de Jean Nogueira, meu ex-aluno.Tenho também umas pequenas participações em alguns filmes: Padre Cícero ( anos 70), Caminho das Nuvens, O Cinematógrafo Hereje de Jeferson Albuquerque (2011), um conto de Zé Flávio Vieirra.


Alexandre Lucas – Como ocorreu seus primeiros contatos com a literatura?


Mazé Sales - "A Flor e as Fontes" de Vicente de Carvalho foi um poema que me emocionou bastante na minha infância. Ai como eu sofria com o sofrimento da flor! Então, fiz um poeminha para minha mãe. Enquanto escrevia os diários ia também fazendo versos. Minha infância foi recheada por literatura de cordel. Dobrava versos na tipografia São Francisco, antiga Lira Nordestina, e Dona Ana Silva me presenteava com muitos cordéis que eu lia em casa para a família.


Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória:


Mazé Sales - Escrevi vários cadernos de "matérias" de poesias e algumas peças de teatro. Fui à gráfica e vi que não era pra mim. O custo era alto. Como me disse o dono de uma gráfica: "Publicar livros fica pra quem é rico e vaidoso". Fiquei muito triste. Então, resolvi selecionar somente uns cinco poemas que cabia no meu orçamento e assim nasceu Banquete dos Deuses, em 1997. É como dar a luz ao filho desejado.


Alexandre Lucas – Você é filha de Maria de Lourdes Andrade Sales uma remanescente da Comunidade do Caldeirão . Quais as memórias que sua mãe contava dessa comunidade?



Mazé Sales - Tudo o que minha mãe falava sobre o Caldeirão está ali, contado em forma de teatro. Ela contava que havia abundância de tudo, muita fartura. Tudo era de todos. O que me impressiona é saber que havia no sítio Caldeirão muitas fruteiras: bananeiras, laranjeiras, etc. E hoje, você chega lá e pensa que era fruto da imaginação das pessoas. Que naquele lugar não poderia produzir nada. Mas, voltando à realidade da época: havia uma comunidade, sob a liderança do Beato José Lourenço cujo lema era trabalho, disciplina e oração, então, podiam tirar leite das pedras e transformar um deserto em um pomar.


Alexandre Lucas – Você publicou o Auto do Caldeirão - dos calheiros da santa cruz do deserto e do Beato José Lourenço ( Teatro). Como foi essa experiência?


Mazé Sales - Tal como Padre Cícero: Filho do Crato, Pai do Juazeiro foi direcionado aos alunos com os quais eu trabalhava e como os colegas pediam fotocópias, resolvi publicá-los. Era como se estivesse prestando uma homenagem póstuma a todos os mortos no massacre do Caldeirão, bem como aos que sobreviveram e tiveram que calar como se nada tivesse acontecido. Ou falaram baixinho e eu fui juntando os sussuros e os medos e fiz deles uma teia onde a aranha conta a sua história.


Alexandre Lucas – Você escreveu outra peça de teatro em 1999: Padre Cícero: Filho do Crato Pai do Juazeiro. Essa obra levanta que discusão?

Mazé Sales - A prosposta era tão somente didática: contar a história de Juazeiro que se confunde com a do Padre Cícero para meus alunos de Educação Artística do Colégio Salesiano, na época. Revendo o texto, vejo que questionamos coisas que hoje são realidades: os romeiros visitarem também o Crato, Faculdades para Juazeiro, etc.


Alexandre Lucas – Como você define a sua poética?


Mazé Sales - Dizem que definir é limitar. Eu acho que não definir é não saber. E agora? Minha poética é tão minha que não encontra ressonância em nada, a não ser em mim mesma, sem ser original. Talvez em Manuel Bandeira eu tenha me inspirado, mas a minha leitura foi de cordel. Nunca conseguir fazer um soneto nem um cordel porque ambos tem que ser perfeitos. E a imperfeição é um traço forte no que faço, às vezes sem querer. E ainda acho belo, como toda mãe coruja.


Alexandre Lucas – Como você ver a relação entre arte e política?


Mazé Sales - Se "a vida imita a arte e a arte imita a vida" a política deveria administrar a vida em sociedade refletindo sobre as necessidades do povo, visto que os bens são do povo e a estes devem servir e os administradores são colocados pelo povo para cumprir com sua missão de bem administrar e não apenas para o bem estar dos políticos. Proporcionando bem estar a todos, visto que num país rico não poderia haver pobreza. E a arte critica, por mais comportada que seja, essa realidade. A arte é (o) a porta voz da sociedade.


Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?

Mazé Sales - Como somos produto do meio e sobre o meio atuamos, acredito que meu trabalho, mesmo pouco e pequeno, tenha contribuido para o esclarecimento, do ponto de vista didático, de acontecimentos da história regional ou para simples deleite para quem gosta de ler.



Alexandre Lucas – Quais seus proximos trabalhos?



Mazé Sales - Há quase dois anos está quase pronto: Santidade e Loucura à Beira do Rio Salgadinho. Aguardem! Estou também tentando escrever um infanto-juvenil com acontecimentos fantásticos baseado na Física Quântica. Ai! Será? Porque paranormal não é. Vamos ver! "Quem viver verá!" Quando eu me aposentar vou ter mais tempo para escrever. Será? Obrigada.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Marcos Salmo - Um comunista na gestão da cultura do Assaré


Foi no movimento estudantil que Marcos Salmo iniciou a sua militância política e cultural na cidade de Patativa do Assaré. Uma trajetória invejável, faz desde jovem de apenas 28 anos uma referência para a gestão da cultua no Estado do Ceará. Ele afirma que a forma mais clara para entender a relação de política x arte são as obras o Patativa do Assaré, a estética dos seus versos são obra primas da literatura brasileira, as caídas de versos, a metrificação são perfeitas, e a forma como usa as palavras tornam os seus poemas ainda mais belo e o seu conteúdo é um verdadeiro manifesto em defesa do socialismo

Alexandre Lucas - Quem é Marcos Salmo?

Marcos Salmo - “Sou de uma terra / Que o povo padece / Mas nunca Esmorece / Procura vencer”. Chamo-me Marcos Salmo Lima Barreto, tenho 28 anos, e sou da terra onde em cada galho versos se mechem, Assaré – CE. Sou filho da professora de matemática Sonia Lima, e do desenhista arquitetônico Carlos Barreto, sou filho mais velhos de três irmãos, Carla Wilna e Marcio Clayton, sou casado com Cidinha Oliveira (28). Estou graduando em Administração Pública, na Universidade Federal do Ceará, Campus Cariri. E admirador da obra, história e pensamento de: Patativa do Assaré, Che Guevara, Luiz Carlos Prestes, Renato Russo, Cazuza, Raul Seixas, Olga Benário . E militante político em defesa do socialismo filiado a um partido que acredito que as suas idéias poderão mudar o Brasil, PCdoB.

Alexandre Lucas - Quando teve início sua atuação na área da arte e da cultura?



Marcos Salmo - Comecei a minha militância na cultura, na época do movimento estudantil quando encabecei projetos culturais na escola, de lá para cá participei de diferentes grupos artísticos como o grupo de Teatro Aqui Tem Coisa, com encenações da Paixão de Cristo, até que junto com outros três amigos, Felipe Lira, Wagner Sales e Eugenio Oliveira, criamos a quadrilha junina Arraiá do Patativa, que agregou diversos artistas da cidade, que culminou na criação da Fundação Balceiro de Cultura Popular, uma instituição cultural que tem por objetivo a preservação e difusão da cultura popular de Assaré, e tem se consolidado como um espaço de produção cultural e formação cidadã. Graças aos trabalhos desenvolvidos ao longo dos anos em 2005 fui diretor de cultura do município, em 2007 coordenador de cultura popular e em 2009 assumi a pasta da Secretaria Municipal da Cultura, Turismo, Desporto e Lazer. O imaginário popular do povo nordestino é uma das grandes fontes inspiradoras das minhas atividades. Sempre fiz cultura em defesa do social e da diversidade cultural de Assaré e na busca pela preservação, valorização e difusão da vida e obra do poeta Patativa do Assaré.

Alexandre Lucas – fale da sua trajetória:

Marcos Salmo - Camarada falar da minha trajetória de vida as pessoas não acreditam muito, pois sempre busquei dar o melhor do meu trabalho, mas posso afirmar que sempre fui um militante em defesa da coletividade e socialismo, em minha época estudantil de nível médio fui um dos lideres da minha geração, estive Presidente do Grêmio Estudantil da Escola Moacir Mota, Vice – Presidente do Grêmio Estudantil da Escola Raul Onofre, ajudei na criação da União dos Estudantes Assareense, e ainda participei dos primeiros encontros e debates sobre a União da Juventude Socialista em Assaré, quando acabei tendo o primeiro contato com você camarada Alexandre, através do Prof. Tico Melo. Montar uma rádio comunicadora em um dia, levantar greve para melhorias de infra – estrutura para feira de ciências, organização de atividades esportivas e culturais foram os embriões desse processo de luta em defesa dos nossos ideais. Mas nessa vida já tive oportunidade de aprender com muitas das coisas que fiz, tive uma relação de agricultor com a terra, tentei deixar o Cariri e meu Assaré indo morar em Fortaleza, atuei na construção civil como operário, fui professor de matemática e ciências no ensino fundamental. No que fiz sempre busquei fazer com perfeição. Eu atuei na defesa dos interesses culturais dos assareenses, acabei me tornando um dos articuladores da juventude local. Fiz parte dos principais grupos sociais da cidade. Como jovens da igreja católica Mensageiros da Fé, sou sócio fundador da Fundação Balceiro de Cultura Popular, sócio da Fundação Memorial Patativa do Assaré, sócio do Instituto o Canto do Patativa, pertenço aos quadros da Academia de Letras e Literatura Patativa do Assaré, colaborei com projetos de geração de trabalho e renda para as comunidades rurais, fui um dos coordenadores da criação e formatação do Plano Diretor Participativo, essa e muitas outras atividades e projetos me fizeram chegar a gestão pública. Essas ações me fizeram ampliar a atuação, pois hoje assumi a vice-presidência da Federação das Quadrilhas Juninas do Ceará, entidade que representa os grupos de quadrilhas juninas do Estado e também compus a diretoria do Conselho de Dirigentes Municipais da Cultura do Ceará, entidade representativa dos gestores público da cultura. Em 2009 ingressei no Partido Comunista do Brasil – PC do B a convite de Norma Paula e do Deputado Lula Morais. Em 2011 passei a integrar a diretoria executiva do partido em Assaré.

Alexandre Lucas – Como você avalia as políticas públicas para a cultura no Brasil após o Governo Lula?


Marcos Salmo - Se fizermos uma analise das políticas públicas para a cultura no Brasil a partir dos governos ditatorial e o Neo-Liberal que o Brasil sofreu o governo Lula foi uma revolução para o Brasil. A cultura não era entendida com uma dimensão política importante para o desenvolvimento da nação. No governo Lula tivemos uma democratização de acesso aos recursos públicos, mesmo o Nordeste ficando com a menor fatia, em detrimento ao favorecimento do eixo Rio – São Paulo. O Brasil pode mostrar um pouco mais da sua diversidade, ciganos, hip-hop, culturas populares, artes gráficas etc, começaram a ganhar corpo no cenário nacional. Outro fator bastante positivo nas políticas de cultura no governo do ex-presidente Lula, foi a abertura de espaços para debates com artistas populares, instituições culturais, produtores, comunidades, enfim... Essas conferências, encontros foram importantes para ampliar o entendimento de que a cultura deve ser prioridade, que deve deixar de ser o menor orçamento da União, importante para construir os marcos legais da cultura. Divido o Ministério em três épocas, a primeira com o Gil, que interiorizou o acesso aos recursos e fomentos a cultura, a valorização e reconhecimento da diversidade brasileira e participação social; Com o Juca estávamos caminhando para a aprovação das leis da cultura, como Vale Cultura, Sistema Nacional da Cultura, Cultura como direito social, etc. Ele estava em um processo de articulação com Câmara e Senado que deixou os municípios esperançosos, mas isso foi ceifado. A terceira e última fase já deixa a faixa dos 08 anos do Lula e nos primeiros da Dilma, temos uma Ministra que mudou o pensamento dos direitos autorais, valorizando o ECAD, que não possui governabilidade dentro do Minc e ainda não mostrou a que veio, a não ser responder notas de jornais que a criticam. No momento agora a presidenta Dilma precisa repensar a sua gestora.


Alexandre Lucas – Como você avalia as políticas públicas para cultura no Estado do Ceará?


Marcos Salmo - Desde a época da Claudia Leitão virou moda, em virtude da Lei do SIEC , a política de Editais, e a garantia de recursos de 50% interior e 50% capital isso de uma certa forma foi muito bom para democratizar o acesso aos recursos públicos para apoiar projetos em diferentes linguagens artísticas isso é muito bom. O que eu penso sobre a cultura no Ceará se resume em dois pontos. O Primeiro é que entre a Claudia Leitão, Auto Filho e Professor Pinheiro, já tivemos vários encontros, alguns com a mesma finalidade apenas com nomenclaturas diferentes, mas tivemos, Plano do Araripe, Plano Estadual para dois anos, Constituinte da Cultura, Duas conferencias estaduais e diversos encontros regionais, e conferencias municipais e setoriais. Desses encontros foram retirados propostas diversas, e nós ainda não temos um Plano Decenal da Cultura para o Ceará. Nem mesmo o processo de adesão do Estado ao Sistema Nacional não foi concretizado, até o dia 13/02 o status que estava no Minc era: 03 - Autorizado o encaminhamento do acordo / assinatura do governador (email) em 01/12/11; e dos 184 municípios do Ceará apenas 72 já aderiram ao Sistema Nacional. Por isso precisamos avançar na gestão pública na cultura no Ceará. Outra coisa que me intriga é que os recursos dos editais estão congelados, e não recebem aumentos significativos.
Preciso destacar projetos interessantes do Ceará como os Agentes de Leitura, os Pontos de Cultura, A quantidade de bibliotecas e livros espalhados pelo Ceará. Mas ao mesmo tempo acho que o Ceará precisa retornar a vanguarda da cultura no Brasil, está na hora do Estado comprometer – se e comprometer os municípios, existem muitos programas e projetos que poderiam ser desenvolvidos fundo a fundo, até mesmo para fazerem com que os municípios façam funcionar de fato e de direito os seus fundos municipais de cultura.

Alexandre Lucas – Os Pontos de Cultura são um avanço paras as discussões sobre políticas para cultura nos movimentos sociais?


Marcos Salmo - Sim. O espaço do fazer cultura nos pontos de cultura tem se mostrado uma forte ferramenta de transformação social. Eles fortaleceram as ações dos movimentos sociais que atuam com cultura, pois a essência do dessa ação é oferecer mecanismos para o fazer artístico e cultural nas comunidades. Outro ponto importante dos pontos de cultura é a idéia de empoderamento das comunidades e artistas, as trocas de conhecimentos possibilitaram a formação de uma comunidade mais politizada, critica e protagonista de suas ações. Para mim os pontos de cultura foram à grande mola propulsora do governo Lula nas suas políticas publicas, todo o programa Cultura Viva, encabeçado e concebido pelo grande Célio Turino, é uma ação eficiente que precisa deixar de ser uma política de governo e passar a ser uma política de Estado. Artistas, produtores, grupos, manifestações culturais, linguagens artísticas, gestores e comunidades precisam permanecer nessa luta viva e ativa, os pontos é uma forma democrática de garantir acesso e permitir que as comunidades se reconheçam enquanto identidade cultural e o melhor de tudo é o espaço de transformação social.


Alexandre Lucas – Como vem sendo desenvolvidas ações na Secretaria de Cultura do Assaré?


Marcos Salmo –
Na da Secretaria Municipal da Cultura de Assaré temos desenvolvidos projetos que possam permitir a construção de uma identidade cidadã voltada para o reconhecimento e apropriação dos valores culturais. Muitos projetos importantes vêm sendo desenvolvidos para atender principalmente a comunidade rural do município. Outros projetos importantes para o município foram o restauro da casa do poeta Patativa do Assaré, a construção da Biblioteca Pública Municipal, a ampliação e climatização do auditório D. Belinha Cidrão, projeto de incentivo a leitura e de formação musical na zona rural, valorização dos Mestres da Cultura Popular, a implantação do Núcleo de Estudos Teatrais – NET, além de diversos projetos de inclusão social, preservação e difusão cultural, dentre outros.


Alexandre Lucas – Quais os desafios?


Marcos Salmo - O desafio de uma política de cultura local é de aumentar as opções culturais de seus habitantes, incentivando a preservação de sua cultura, difusão e promoção dela, mantendo sempre as fronteiras abertas. Mas isso só será possível quando os municípios tiverem os seus sistemas municipais e fundos municipais da cultura funcionando efetivamente, para que os prefeitos entendam a importância de se conveniar com artistas e instituições culturais, dando uma vida mais sólida e orgânica para a cultura nos municípios. Outro gargalo importante nesse processo é a formação, do ponto de vista da gestão, para que artistas e grupos aprendam a lidar com recursos públicos. Levando em conta também que a burocracia deve repensar as suas ferramentas demasiadamente exageradas, e que vem usando a prevenção da corrupção como desculpa para tanta burocracia, mas fazendo um parêntese é preciso dar autonomia ao controle social por parte da população.


Alexandre Lucas – Como você ver a relação entre arte e política?

Marcos Salmo - Entendo Arte como fazer cultural de diferentes linguagens artísticas, uma dimensão simbólica da criatividade, que tem uma ação direta no processo de formação de qualquer cidadão que assiste, visita, produz e usufrui da arte. Aristóteles já dizia que todo ser humano é por natureza político, entretanto eu acredito que muitas não se apropriam desse conceito, chegando a cometer um erro idiota de afirmar que não gosta de política e deseja manter distância. Sendo a arte uma dimensão simbólica da criatividade e formação cidadã e a política ser por natureza inerente ao homem, os dois precisam andar juntos. Temos visto muita arte, mas dissociada da política e vice-versa. A arte tem a função fundamental de ser um mecanismo em defesa das questões sociais, das pessoas excluídas, daqueles que possuem o seu direito de cidadão suprimido. A forma mais clara que posso entender essa relação de política x arte são as obras o Patativa do Assaré, a estética dos seus versos são obra primas da literatura brasileira, as caídas de versos, a metrificação são perfeitas, e a forma como usa as palavras tornam os seus poemas ainda mais belo, mas o seu conteúdo é um verdadeiro manifesto em defesa do socialismo. Arte e política precisam andar juntos na luta contra o capitalismo, a massificação da cultura através da mídia comprada. É interessante que os artistas entendam a função cultural, social, educacional e política que a arte tem sobre a sociedade, esse pode ser o meio para que ocorram as próximas revoluções, afinal de contas as grandes lutas pela democracia e liberdade, tiveram artistas e intelectuais na vanguarda dos movimentos libertadores.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Alysson Amancio - Por uma dança que transforme







Pesquisador, artista e professor, Alysson Amancio vem nos últimos anos contribuindo para a consolidação da dança contemporânea no Cariri. Inquieto e viajado, Alysson não se conteve apenas em aprender a dançar e busca cotidianamente elementos para alimentar a sua percepção e produção estética e artística. Ele acredita ser possível lutar por um mundo mais humano, digno e igualitário e que as artes são impreterivelmente os melhores caminhos para as conquistas nesse embate social.

foto: Alex Hermes

Alexandre Lucas - Quem é Alysson Amancio?

Alysson Amancio - É sempre difícil falar quem eu sou, pois, todos nós seres humanos temos diversas facetas e mudamos o tempo o inteiro as nossas ideologias de acordo com as experiências nas quais somos atravessados.
Nas minhas características imutáveis, sou um caririense, criado por uma família unida e trabalhadora e que me deu a base e liberdade para ser um sonhador e realizador ao mesmo tempo.
Sou um artista, professor, pesquisador. Um homem do bem que realmente acredita ser possível lutar por um mundo mais humano, digno e igualitário e que as artes são impreterivelmente os melhores caminhos para as conquistas nesse embate social.

Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Alysson Amancio - Meu primeiro contato com o teatro foi na escola, no ensino fundamental. Apaixonei-me completamente pelas artes cênicas e nunca mais parei. Da escola fui para grupos amadores, depois procurei oportunidades para trabalhar com grupos mais profissionais, paralelamente fiz duas graduações em Dança. Participei de vários festivais nacionais e internacionais. E após retornar para Juazeiro do Norte, iniciei a produção da minha própria companhia de dança, meu projeto de formação e difusão da dança através da Associação Dança Cariri e meu trabalho como docente na Universidade.

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?

Alysson Amancio - Atuando como artista e professor tudo me interessa e influencia o meu trabalho desde as culturas populares até as intervenções mais contemporâneas. Leio muito, vejo muitos filmes em casa, observo atenciosamente as pessoas que convivo e procuro estar cotidianamente concatenado mesmo que virtualmente com a dança cênica produzida no mundo hoje. Em relação a profissionais de dança mais especificamente, amo a vida e obra da coreógrafa Martha Graham. E sobre as minhas influencias atuais: dos brasileiros admiro muito o trabalho do Flávio Sampaio, Andrea Bardawill, Fauller, Wilemara Barros, Ana Vitória, Alejandro Ahmed, Henrique Rodovalho, Rodrigo Pederneiras, Isabel Marques, Roberto Pereira e estrangeiros William Forsythe, Maguy Marrin, Pina Bausch.

Alexandre Lucas – Como foi esse contato com a dança contemporânea?

Alysson Amancio - Sempre gostei de dança contemporânea mesmo quando não sabia o que era essa linguagem. Na minha adolescência ficava fascinado quando via Elina Feitosa ou a companhia de Danielle Esmeraldo em cena. Ainda fiz algumas aulas de dança no Crato com Elina, mas o meu primeiro contato de fato foi em 1997 na cidade de Fortaleza nas aulas com Andrea Bardawill e na Companhia de Dança Janne Ruth. Desde então o contemporâneo tem sido meu principal objeto de estudo, fonte de pesquisa e área de ensino. Essa possibilidade infinita de conceitos e estéticas que a dança contemporânea permite, me instiga profundamente.



Alexandre Lucas – Fale da sua trajetória:

Alysson Amancio - Considero o Grupo de Teatro Expressões Humanas da Herê Aquino e a Companhia de Dança Janne Ruth como sendo minhas primeiras experiências profissionais nas artes cênicas. Depois disso trabalhei na Adão Companhia de Dança e posteriormente no Rio de Janeiro na Cia de Dança da Cidade e na Esther Weitzman Companhia de Dança. Entretanto, creio que o divisor de aguas na minha trajetória sem dúvida foi o Colégio de Dança do Ceará e a minha graduação em dança no Rio de Janeiro. Estreitar os laços entre a minha dança e o pensamento acadêmico me impulsionou a querer ser mais que um bailarino. Projetou-me para coreografar, pesquisar e escrever sobre dança. Entendendo que essa linguagem artística é extremamente poderosa e capaz de transformar a sociedade de forma avassaladora. É com esse pensamento que desde que retornei para Juazeiro do Norte em 2006, que procuro desenvolver minhas atividades, difundindo e aplicando a Dança com todo o potencial que ela aglomera.


foto: André Dal Castel


Alexandre Lucas – A dança no Cariri é marcada pela diversidade de estilos?

Alysson Amancio - Existe uma ideia muito cristalizada que o Cariri é o celeiro da cultura popular. Temos realmente uma cultura popular riquíssima e que precisa ser valorizada e reconhecida, todavia essa não é a única possibilidade de arte produzida na região. Esse imaginário, lamentavelmente, contribui para que outras manifestações da dança que não seja o reisado, a lapinha e a banda cabaçal não sejam vistos também como representantes da dança caririense.
Aqui nós temos reisados, lapinhas, banda cabaçais, coco, mas também temos balé clássico, dança contemporânea, dança de rua, quadrilhas juninas, dança do ventre, dança de salão, danças sagradas, dentre outros. Enfim, são muitos os estilos para o nosso deleite.
Estou escrevendo um livro sobre a história da dança cênica caririense que será lançado ainda no primeiro semestre de 2012. Espero que a partir dessa publicação novas pesquisas sejam feitas para documentar a dança local, pois, até hoje não existe nada que eu conheça que tenha esse foco.

Alexandre Lucas – Como é trabalhar dança contemporânea na região do Cariri?

Alysson Amancio - Ninguém gosta daquilo que não conhece. O grande trabalho atualmente na região do Cariri é estimular o maior número possível de produções e circulação de espetáculos de dança contemporânea. Quanto mais grupos ou artistas independentes produzirem trabalhos contemporâneos, mais ampliaremos o número de apreciadores e consequentemente o mercado de trabalho. Quando voltei, em 2006, era tudo muito mais difícil, todas as pessoas que produziam dança contemporânea estavam paradas. Felizmente ao longo de varias ações, criou-se um circulo ativo nessa área. Seis anos depois, eu enxergo com muita alegria mudanças concretas no que se refere a produção de dança contemporânea caririense, inclusive em relação ao olhar de fora sobre a nossa fomentação. Os profissionais de dança mais renomados do Brasil me enviam currículo e propostas para vir dançar ou ministrar oficinas em Juazeiro do Norte.

Alexandre Lucas - Qual o papel social do artista?

Alysson Amancio - Essa frase soará um tanto clichê, mas não vejo como escrever outra coisa. O principal papel do artista é transformar o mundo em algo melhor.

Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?

Alysson Amancio - Não trabalho sozinho, eu trabalho com uma equipe que busca cotidianamente ampliar essa rede e agrupar mais pessoas nesse coletivo. Pensamos grande: queremos projetar a dança do/no cariri para o mundo inteiro. Produzir e fortalecer a dança cênica caririense é a nossa grande motivação. Por isso iniciamos esse trabalho exatamente aqui. Toda grande mudança acontece de dentro para fora. Queremos que o garoto do Bairro João Cabral aprecie os espetáculos de dança locais, e num futuro próximo os Cariocas e depois os Parisienses.

Alexandre Lucas - O que representou e representa para você o trabalho de pesquisa?

Alysson Amancio - Não existe arte sem pesquisa. O artista não pode ser medíocre e acomodado. A curiosidade e coragem devem ser os motores da sua arte. Por isso a minha grande luta é para a criação do Curso Superior de Dança no Cariri. Nós já temos as três linguagens da arte. Música na UFC – Cariri e Teatro e Artes Visuais na URCA. Por que não temos dança?
Em 2008, a Associação Dança Cariri fez um abaixo-assinado com os artistas da dança caririenses e recolhemos mais de 2600 assinaturas, entre estudantes e profissionais da dança reivindicando a criação desse curso.
Em 2011, o Centro de Artes Reitora Arraes de Alencar Gervaiseau aprovou o projeto para a criação do Curso Superior de Dança. Agora falta apenas o Conselho Superior da Universidade Regional do Cariri aprova-lo e o Governador Cid Gomes assinar o termo de criação. Infelizmente isso será o mais difícil, pois a sua politica tem demonstrado pouquíssimo interesse em fortalecer nem o ensino, a extensão e a pesquisa no âmbito acadêmico.

Alexandre Lucas – No Ensino Básico do Estado do Ceará existem profissionais habilitados para trabalhar a dança no Ensino de Artes?

Alysson Amancio - Em Fortaleza sim, já que lá existe o Curso Técnico de Dança e o Curso Superior de Dança da Universidade Federal do Ceará. Além disso, o Vila das Artes, da Prefeitura Municipal de Fortaleza através da Secretaria de Educação financia o Projeto “Dançando na Escola”, proporcionando profissionais capacitados atuarem nas escolas formais de ensino.
Nos interiores cearenses a realidade é completamente diferente. No Cariri, por exemplo, são raríssimas as escolas que oferecem dança além das montagens coreográficas em datas comemorativas. As poucas que se arriscam nessa empreitada desconhecem profissionais realmente qualificados para tais funções e acabam empregando profissionais de outras áreas, que muitas vezes fazem um desserviço no que se refere ao ensino de dança.

Alexandre Lucas – O que representa a dança na sua vida?

Alysson Amancio - A dança é a minha vida. Paixão, razão e profissão. Tenho a grande felicidade de trabalhar com o que eu amo. Portanto, defendo e luto diariamente para a valorização e reconhecimento dessa linguagem artística. A dança pode ser utilizada como entretenimento, terapia, atividade física e profissão. São tantas e possibilidades e benefícios, que eu acho muito triste o homem que nunca se permitiu essa vivencia na sua vida.